PÁGINAS


BULLYING ÉTNICO: Um crime que sempre passou em "branco" no ambiente escolar

Construindo a igualdade racial




Artigo de autoria de Eufrate Almeida, extraído de seu Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Departamento de Educação da Universidade Nove de Julho, no grau de Licenciado em Educação Física, sob a orientação dos professores André Minuzo de Barros e Alessandro Barreta Garcia.









Este trabalho pretende trazer à luz, a existência do “Bullying Étnico” no ambiente escolar, destacar os preconceitos contra a etnia negra e tem como objetivo específico apontar alternativas e instrumentos que minimizem ou até eliminem os seus efeitos.
O bullying é uma violência e os agressores humilham as suas vítimas da forma mais vil e impiedosa possível. Para isso, utilizam-se das mais variadas formas, desde agressões físicas ao constrangimento moral e do terrorismo à submissão. Os xingamentos são diversos: Trouxa, imbecil, babaca, nerd, ridículo, idiota, estúpido, nojento etc.. Eles utilizam das características físicas das vítimas, para exprimir suas maldades, ridicularizando-as: Viado, bambi, gay, bicha, gordo, baleia, rolha de poço, magricela, narigudo, orelhudo, Olivia Palito, dentinho, dentuço entre outros.
Na medida em que os xingamentos têm como destinatária uma determinada etnia, este estudo os classificou como “Bullying Étnico”. As agressões verbais endereçadas ao negro são denominadas como: Macaco, urubu, frango de macumba Escrava Isaura, nega maluca, saci, chita, tiziu, neguinho, negão, cabelo de pixaim, picolé de asfalto, suco de fumo, muçum, cabelo de palha de aço, cabelo de bombril, negrinho do pastoreio entre outras.
Os termos aqui elencados, complementados por uma diversidade de contos e criativas piadas, usadas para desqualificar a imagem do negro, permitem o neologismo: “ação afro-destrutiva” – atitudes promovidas com o propósito de destruir o que se oriunda da África.
A maioria dos indivíduos pertencentes a grupos étnicos, considerados menores, sofre a ação do bullying no ambiente escolar: Negros indígenas, orientais, ciganos etc. Porém, este estudo tem como foco apontar as mazelas recaídas sobre  a Etnia Negra e se justifica no processo histórico dos povos trazidos do continente africano e de seus descendentes.
No “Bullying Étnico” as maldades são tão criminosas quanto no tradicional, com um agravante: ninguém se dá conta disso, tampouco classificam como bullying.
Pereira (2002) aponta que as vítimas, frequentemente, não estão em posição de se defender ou procurar auxílio e que na maioria das vezes se calam por medo de se expor perante os outros. Há um ponto, então, que merece atenção: aqueles que sofrem bullying e não falam com ninguém, apesar de terem sido maltratados. Isso vem confirmar as dificuldades que muitas crianças e adolescentes têm para lidar ou enfrentar a violência que sofrem no interior da escola.
Considerando a necessidade de se debruçar sobre as possibilidades de dirimir ou extirpar os efeitos do bullying, que culminam em agressão, além dos eventos descritos neste trabalho, tendo o ambiente escolar como protagonista dessa triste realidade, este estudo amparou-se, além da bibliografia, em Leis, Estatutos e  em Acordos promovidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, para justificar a sua realização.
Para se entender o “Bullying Étnico”, relacionado ao negro, é preciso conhecer e compreender o processo histórico da formação do povo brasileiro e a submissão imposta aos antepassados das vítimas desse fenômeno.
A história de vida da criança negra brasileira se dá, a partir do século XVI, quando navios aportaram no litoral brasileiro, com carregamentos de mulheres e  homens negros – calculam-se mais de sete milhões –, que foram arrancados de seu continente, em condição de cativos, para servirem de mão de obra, no início do desenvolvimento de uma terra “recém-encontrada”.                                                                                                                          
Os maus tratos a que foram submetidos os escravizados, contribuíram para a formação de bandos que, para se verem livres das agressões e do trabalho forçado, promoviam rebeliões e fuga em massa, rumo às florestas, dando início a formação das sociedades dos homens livres, chamadas de Quilombos. Comunidades que acolhiam, em menor número, indígenas e brancos pobres. A palavra Quilombo significa acampamento e vem do kimbundu, idioma africano, falado em Angola. Inúmeros Quilombos foram formados no Brasil. O que ofereceu a maior resistência foi o famigerado Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi, situado na Serra da Barrida, em União dos Palmares, Alagoas. 
No primeiro momento, o estudo discorreu sobre o bullying “tradicional”, baseado numa literatura acadêmica e em livros paradidáticos; em seguida, evidenciou a prática preconceituosa na modalidade, ratificada por uma extensa bibliografia e por estudos acadêmicos; utilizou-se de documentos oficiais como: LBD, PCNs ECA e das Orientações Curriculares Expectativas de Aprendizagem Étnico-Racial – da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo que,  por meio de projetos desenvolvidos em sala de aula, faz um levante sobre a história do povo negro no Brasil.
Segundo Constantini (2004), O bullying pode ocorrer como abuso psicológico ou verbal, envolvendo diferentes contextos como: escolas, faculdades, famílias e local de trabalho. O bullying é encontrado em todo e qualquer ambiente institucional sendo esta pública ou privada, urbana ou rural. Contudo, pesquisas afirmam que as instituições não admitem a ocorrência do bullying como também desconhecem a existência do problema, situação que é cada vez mais comum nas instituições em geral.
Guidalli (2005) afirma que o bullying persistente pode causar sérias consequências, tanto no individuo quanto no ambiente em que ocorre. Para LIMA (2006), uma criança que sofre bullying na escola tenderá a com sentimentos negativos, especialmente com baixa autoestima, com a possibilidade de tornar-se um adulto com problemas de relacionamento, tomando um comportamento agressivo, continuar sofrendo ou praticando o mesmo - em casos extremos a pessoa poderá tentar ou cometer suicídio.
A Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança estabelecendo que, a criança gozará de proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Garante ainda que a criança tenha ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação. Atribui à sociedade e as autoridades públicas a garantia deste direito (ONU, 1959).
No Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 5º, estabelece que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Mais adiante, os artigos 15 a 18, estabelecem que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, que compreende o brincar, praticar esportes e divertir-se. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. A garantia do cumprimento destes direitos é dever de todos, principalmente da escola em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (Brasil, 1990).
Os direitos da criança não significam, no caso da educação, apenas a possibilidade de ser matriculado em uma escola, é preciso que a criança tenha além do acesso ao conhecimento, que o espaço da sala de aula seja apropriado, que existam materiais e equipamentos adequados e que os professores estejam preparados para atuar no nível e na modalidade de ensino em que atuam. E, no caso deste estudo, que busca estudar o bullying o momento do recreio, é importante lembrar que não basta apenas ter um pátio é preciso que neste espaço existam recursos que motivem as crianças a aproveitar o momento para, por exemplo, brincar, fazer amigos. Como indica Pereira (2009): “As crianças têm direito a ver melhorados os recursos nas escolas: bibliotecas acessíveis e com literatura adequada [...] e recreios melhor equipados, proporcionando tempos de recreação e educação informal”.
Para Chiavenatto (1980), desde a captura, no continente africano, passando pelo sofrimento nos tumbeiros (navios negreiros), os negros foram pasto da bestialidade humana que a escravidão gerou. Negros que morriam de peste, fome, de chibata de quem se arrancavam membros, órgãos genitais, que se aleijavam, cegavam ou que eram besuntados com mel e entregues a vorazes formigas Negrinhos morriam para que o leite das mães fosse alimentar os nhozinhos brancos, que ao nascer ganhavam um molequinho preto para se iniciar no exercício de crueldade imposta pela escravidão.
De acordo com Reis e Gomes (1996), se estivermos conscientes dos níveis insuportáveis de barbarismo associados à escravidão no Novo Mundo, torna-se fácil entender a importância dos Quilombos. A resistência do negro à escravidão foi característica marcante da história dos africanos nas colônias americanas, e os escravos responderam à exploração com a má vontade, a sabotagem ao trabalho, a revolta ou a fuga para os Quilombos. Considerando que a língua franca na época era o latim, é natural que os acampamentos de fugitivos fossem chamados, nos documentos da época, res publicae (Estado), termo logo traduzido para as línguas modernas como República Republics, Républiques. Por esse motivo ainda hoje se utiliza a expressão “República de Palmares”, cujo sentido nada tem a ver, portanto, com a ideia de “regime republicano”, por oposição à monarquia, e Palmares nunca foi uma República nesse sentido.
Segundo Reis e Gomes (1996), como quer que seja, os africanos no Novo Mundo foram submetidos a sacrifícios inomináveis. Não há necessidade de lembrar os detalhes da opressão sofrida pelos escravos, embora devamos reconhecer o seu sofrimento e estar conscientes de que o olvido da exploração, no passado, pode conduzir à manipulação da história. Nathan I. Higgins estudou, recentemente, como a narrativa dominante da história norte-americana tem reformado a escravidão, considerada como uma anormalidade menor ou como uma aberração.
De acordo com Chiavenatto (1980), a escrava, submissa pela sua própria condição social, podia-se “fazer tudo” – as negras foram usadas, abusadas e descartadas quando necessário. Debret, citado por Florestan Fernandes em Brancos e Negros em São Paulo, viu certos senhores regularem a vida sexual dos seus escravos reservando uma negra para quatro negros. Muitos senhores iam além, no abuso sexual contra as mulheres negras: obrigavam-nas à prostituição e conseguiam muita renda com essa atividade.
Vasconcelos (2003) afirma que: Após uma boa leitura de relatos históricos, pode-se imaginar o massacre, a que foram submetidos os escravizados e seus descendentes. A estratégia desumana usada contra o povo negro foi tão eficaz, que até hoje sente-se o efeito e não se sabe até quando isso vai perdurar. A mulher foi especialmente oprimida nesse contexto. As negras forras não tinham outro recurso para sobrevivência, senão a venda do próprio corpo. As chamadas “negras de tabuleiro”, constantemente retratadas nas gravuras de Rugendas e Debret, como partes do cenário das Minas Gerais, no ciclo de ouro. Mulheres, que reprimidas e oprimidas, não vendiam somente as frutas, quitutes e refrescos de seus tabuleiros, mas, acabavam por se prostituir, muitas vezes arrastando atrás de si, as filhas e assim, perpetuando uma trágica história de degradação da imagem da mulher negra brasileira.

                                                          Johann Moritz Rugendas   
  Segundo Nabuco (1988), a ação escravista dissolveu a família: “Destruiu a dignidade do pai, oprimiu o futuro do filho e violou a honra da mãe, tentando apagar o amor da sua vida. A filha, ainda na impuberdade, era usada como objeto de prazer de seus senhores e mais tarde, gerava filhos dos quais, só era mãe por tê-los dado à luz”.
Segundo Góis Júnior e Lovisolo (2005), o Brasil passou por um processo de embraquecimento, sustentado na ideia de raça superiora, defendida por alguns componentes do movimento higienista. 

“Durante os anos de 1900-1920 a tese de maior repercussão para o fracasso econômico foi a fatalista, na qual os componentes explicativos raciais eram fortes. Segundo esse pensamento, os brasileiros estavam constituídos por raças inferiores, com baixa capacidade para o trabalho. Portanto, o Brasil nunca poderia ser uma nação economicamente forte. À pergunta de Von Martius, sobre se a miscigenação era boa ou ruim para o Brasil, respondia-se negativamente. Com o intuito de melhorar sua imagem, as elites brasileiras tentaram “embranquecer” o país (19). Como acreditavam que o negro e o índio eram inferiores, os brasileiros sentiam-se em desvantagem. Correntes do “movimento higienista”, como a liderada por Oliveira Vianna, pensaram em estratégias de embranquecimento, como a esterilização dos negros, regulamentação de casamentos, uma crescente imigração européia, sobretudo da Itália e Alemanha”. (GÓIS JÚNIOR e LOVISOLO, 2005, p. 322-328).


Segundo Chiavenatto (1980), a guerra do Paraguai foi um dos fatores determinantes para a diminuição do número de negros no Brasil e fez parte da “limpeza étnica”, para o processo de abolição da escravatura que estava em iminência. 
“Antes da Guerra do Paraguai, os negros eram 31,2% da população; depois, essa proporção cai pela metade. Cai não só proporcionalmente como em números absolutos, de 2,5 milhões para 1,5 milhão, representando uma queda de 40% no global da população negra. 1 milhão de negros foram mortos – sintomaticamente nos anos da Guerra do Paraguai. Conscientemente ou não, houve um processo de arianização sobre a população brasileira, que estimulou a ideologia do branqueamento. A Guerra do Paraguai, como processo de arianização, liquidou a grande arma que os negros teriam para lutar pela sua emancipação: o potencial demográfico”. (CHIAVENATTO, 1980, p, 205 - 207).

A escola deve fazer valer o que preconiza a Lei Federal 10.639/03, que obriga o ensino da História da África e Estudo da Cultura Afro-brasileira no ensino de base. A comunidade escolar pode investir em projetos educacionais de valorização da diversidade étnica, utilizando-se das mais diversas manifestações artísticas e culturais. Um exemplo está na literatura: Os professores podem e devem usar  a Bibliografia Afro-brasileira, onde está reunida uma série de títulos que atendem às diversas faixas etárias. Outra coletânea interessante é a produção de livros, contos e filmes infantis, produzida pelo Projeto “A Cor da Cultura”, da Rede Globo, disponibilizada pelo MEC. A escola pode, ainda, fazer uso das Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagem para a Educação Étnico-Racial – Um caderno produzido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), contendo uma coletânea de projetos com recorte étnico, relatando experiências positivas vividas por professores em sala de aula, podendo reproduzi-las com os alunos.
A instituição deve propiciar passeios ao Museu Afro-Brasil; promover visitações em exposição de artes plásticas - de origem africana e afro-brasileira; realizar oficinas de confecção do batique (batiki), técnica originária do continente africano - para o tingimento de tecidos -, entre outras tantas informações que sugerem pensar que, o que é originário da África, não significa sinônimo de atraso e de pobreza, sentimento incutido no imaginário de grande parte dos brasileiros. Desta forma, a escola promove a disseminação dos diversos conhecimentos, ultrapassa as fronteiras dos livros didáticos, além de dar voz e visibilidade aos alunos. O desconhecimento sobre as culturas oriundas das mais longínquas partes do mundo propicia a desvalorização do outro, principalmente na infância, etapa da vida onde se forma a personalidade.
Segundo a LDB, a Educação Física é parte integrante do currículo escolar e não pode ser dissociada das demais disciplinas. Baseando-se nesta afirmativa, os episódios que caracterizam o bullying e, por conseguinte, o “Bullying Étnico”, também perpassam por ela. As instituições devem elaborar estratégias para coibir as práticas que caracterize bullying e criar ferramentas para neutralizar os seus efeitos. Além disso, trata-se de uma disciplina marcada pela exposição dos alunos em ambientes abertos, pela atividade física e a prática esportiva. Atmosfera propícia para os agressores perceberem as inabilidades por parte de alguns colegas, na execução de certas atividades ou pelas características físicas, próprias da etnia a que pertence. Momento oportuno para “destilar o seu veneno”.   

“A Lei de Diretrizes e Bases promulgada em 20 de dezembro de 1996, busca transformar o caráter que a Educação Física assumiu nos últimos anos ao explicitar no art. 26, § 3o, que “a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar (...).  A consideração à particularidade da população de cada escola e a integração ao projeto pedagógico evidenciaram a preocupação em tornar a Educação Física uma área não-marginalizada”. (LDB – nº 9.394, 20/12/96).

As agressões verbais, identificadas neste trabalho como “Bullying Étnico”, segundo as diversas alterações e adequações que sofreu a Lei de Crime de Racismo, nº 7.716, de 05 de janeiro de 1998, acabou por reconhecer tais atitudes como crime de Injúria Racial. Delito este, facilmente subjugado por qualquer advogado conhecedor da referida lei e suas alterações.
Segundo VASCONCELOS (2006), há a injúria racial quando as ofensas de conteúdo discriminatório são empregadas a pessoa ou pessoas determinadas. Ex.: negro fedorento, judeu safado, baiano vagabundo, alemão azedo etc.. O crime de Racismo constante do artigo 20 da Lei nº 7.716/89, somente será aplicado quando as ofensas não tenham uma pessoa ou pessoas determinadas, e sim venham a menosprezar determinada raça, cor, etnia, religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas. Ex.: negar emprego a judeus, numa determinada empresa, impedir acesso de índios a determinado estabelecimento, impedir entrada de negros em um shopping etc..
As ações que caracterizam o bullying são consideradas crime, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porém, esse crime não se limita aos indivíduos protegidos por esse documento.
A Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989, altera a redação da antiga Lei Afonso Arinos (Lei nº 1390, de 03 de julho de 1951), a qual incluiu entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceitos sobre raça ou de cor e, curiosamente, determina em seu título a punição de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, categorias estas, que foram ampliadas em 1997, quando o legislador então acrescentou ao Art. 1º da referida lei, os termos etnia, religião e procedência nacional. Passando o referido artigo a vigorar da seguinte forma: “Art. 1º- Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. (Redação da Lei nº 9.459, de 15/05/97). A Lei 9.459, de 15 de maio de 1997, além de criar novas categorias para a “lei de racismo”, também acresceu ao Artigo 140 do Código Penal, o parágrafo terceiro, criando com isso a figura da injúria qualificada, in verbis: Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Adultos, também têm sido alvo de bullying, especialmente em instituições de ensino superior. Desta forma, este estudo defendeu a criação de uma lei que tipifique as agressões que caracterizem bullying e conste o bullying como crime, em sua redação.
“O bullying é uma prática que vem crescendo a cada dia, de forma assustadora, merecendo atenção da sociedade em geral e ações concretas de prevenção capazes de inibir a sua disseminação.
Temos plena convicção de que o combate à prática do bullying é o único meio de garantir que crianças e adolescentes sejam mais respeitadas, através da construção de um novo entendimento da situação. O grande desafio é convocar a todos para trabalhar no incentivo a uma cultura de paz e ao respeito às diferenças individuais”. (SORAYA, 2008, p. 20).

O termo “Bullying Étnico”, utilizado neste estudo, vive ausente do vocabulário dos especialistas em comportamento humano, que estudam as manifestações sociais no ambiente escolar. As agressões sofridas pelas crianças negras, não são consideradas bullying. Via de regra, nos deparamos com depoimentos de profissionais dessa área, inserindo os conflitos e xingamentos com recorte étnico, no quesito discriminação racial. Implicitamente, esse posicionamento considera a discriminação étnica como um crime de menor gravidade, todavia, podemos imaginar que ambos tenham peso semelhante. Não devemos esquecer que podemos ser sensíveis à dor do outro, porém, incapazes de senti-la.
Baseado nos estudos realizados por este trabalho chega-se a conclusão que a escola não é uma produtora de preconceitos, porém, é por ali que eles passam e encontram solo fértil para a sua reprodução e para evitar, a escola deve utilizar-se de todos os meios para coibir a manifestação das práticas que caracterizam o bullying e, caso aconteçam, deve acessar os diversos elementos disponíveis nas mais diversas manifestações culturais, para minimizar ou até erradicar os seus efeitos.
As características básicas levantadas por este estudo indicaram que o bullying atinge o indivíduo por si só, ao passo que o racismo atinge o indivíduo e  sua etnia.
A terminologia “Bullying Étnico” vem classificar a ação do bullying com recorte ético, em crime de racismo e, espera-se que seus praticantes sejam enquadrados na Lei Nº 7.716, de 05 de janeiro de 1998, já citada neste trabalho.
A negligência do Estado brasileiro, quanto aos conteúdos deficitários dos livros didáticos, acerca da história do Brasil, da formação do povo brasileiro e sua diversidade étnica, aliada a falta de preparo da maioria dos professores, em lidar com conteúdos transversais, contribuem para a disseminação de atitudes preconceituosas, o que caracterizam bullying no ambiente escolar.
A invisibilidade da criança e a falta de famílias negras em novelas, nos diversos programas televisivos e peças publicitárias, induzem à perda da identidade. Se a criança não se vê, ela não se identifica e passa a rejeitar a sua própria imagem. Essas ausências são indutoras de baixa autoestima e implica no processo de aceitação de sua própria condição étnica. A ausência da família negra, principalmente em novelas – programa que as famílias se reúnem para se deleitar com o quotidiano fictício das superproduções – onde o negro é apresentado, na maioria das vezes, como um ser isolado. Às vezes ocupando uma boa posição social, porém, dando a entender que não tem casa, filhos, esposa, sobrinho, mãe, pai... Esse é um dos fatores que causam efeitos devastadores nos grupos que sofrem tal invisibilidade. Esses episódios são encarados com muita naturalidade, pelos telespectadores desatentos às questões antropológicas e sociológicas do meio em que vivem, independentemente, do grupo étnico a que pertença.
Estudos comprovam que é na infância onde acontece a formação do caráter, da identidade e da personalidade do ser humano. Os programas de televisão, os livros, revistas, internet e todos os meios formadores de opinião, são fundamentais para a formação do adulto de amanhã.
Raramente aparecem crianças negras em peças publicitárias, referentes a produtos direcionados ao mercado infantil. Na visão equivocada de alguns publicitários, a imagem do negro desqualifica o produto.
“Pensando que a boneca representa um modelo identitário, como fica a construção da auto-imagem de crianças negras e brancas? A bebê-boneca aparece como representação da criança e, como tal, alvo de cuidado e afeto. Se também apenas os alunos brancos suscitam atitudes de atenção, positivamente diferenciada por parte dos professores, as crianças negras acabam por entender que seu modo de ser é inadequado e passam a negar suas referências físicas e a adotar uma idéia de superioridade dos brancos. As brancas por seu turno, acabam por entender que há algum valor inerente à cor”. (CAVALLEIRO, 2001, p. 39)

A criança negra, como personagem em revistas infantis, quando aparecem, são estereotipadas. O único personagem negro da turma da Mônica, por exemplo, é o Cascão e seus hábitos higiênicos não são dignos de inveja. Sem falar na ausência de bonecas negras nas lojas de brinquedos. A falta desse produto em nosso mercado desconsidera o poder de consumo da população negra e estabelece um único padrão étnico para as bonecas. Existem bonecas negras no mercado brasileiro? Sim! Porém, em número infinitamente menor do que deveria e seu consumidor tem que sair a busca, pois não se vê propaganda desse produto na mídia.
“Diferentes pesquisas já mostraram que a posição do branco é privilegiada, na literatura, no cinema, na propaganda, na TV, na escola e no lar. Mesmo que não se diga uma palavra sobre racismo, todas estas experiências estão ensinando às crianças que seus traços físicos são um defeito”. (VASCONCELOS, 2003, p.47).

Isso justifica os estudos realizados com crianças negras, nos Estados Unidos: quando colocadas diante de bonecas negras e brancas e perguntadas sobre a sua preferência, elas optarem pelas bonecas brancas. Normalmente associam-se o bom, o belo e o limpo, ao branco. Em contrapartida o feio, o ruim e o sujo, associam-se ao negro. Segundo Silva (2003), as denominações e associações negativas à cor da pele, podem levar as crianças negras, por associação, a sentirem horror à sua pele escura, procurando várias formas de literalmente se verem livres dela e buscar o branqueamento.
“Os sinais de auto-rejeição são visíveis nos descendentes de africanos e traduzidos com “racismo do negro” pelo agente da produção e da reprodução da auto-rejeição. Frantz Fanon relata em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas, a recusa dos negros martinicanos à sua cor, uma vez que internacionalizaram os valores franceses, bem como a ilusão de serem também brancos e franceses”. (OLIVEIRA e SILVA, 2003, p. 68).
Eliza Kenneth Clark (1914/2005) e Mamie Phipps Clark (1917/1983) foram psicólogos afro-americanos e ativistas do Movimento dos Direitos Civis. Eles fundaram o Centro de Desenvolvimento Infantil Northside, no Harlem, conhecido bairro de Nova York. Ficaram bastante conhecidos pelos experimentos realizados em 1940, utilizando bonecas para estudar as atitudes das crianças sobre etnia.
O teste consistia em exibir quatro bonecas para as crianças – duas eram negras e duas brancas –, e requeria-se que as mesmas atribuíssem às bonecas determinadas características: bonita, boa e má. Tanto em 1939, quanto em 1950 – data em que Clark refez o experimento –, uma maioria esmagadora de crianças, tanto negras quanto brancas, atribuiu às características de boa e bonita às bonecas brancas e definiram como má às bonecas negras. O estudo foi refeito pela cineasta Kiri Davis apresentado no vídeo “A Girl Like Me” (2005). No Brasil, também foram realizados testes semelhantes, com resultados parecidos.


Diálogo transcrito do vídeo “A Girl Like Me”.


Kiri Davis: Você pode me mostrar qual dessas bonecas é boa?
A Criança 1 pega a de cor branca.
Kiri Davis: Por que esta é a boneca boa?
Criança 1: Porque ela é branca.
Kiri Davis: Você pode me mostrar qual dessas bonecas parece ser má?
A Criança 2: pega a de cor preta.
Kiri Davis: Por que esta parece ser má?
Criança 2: Porque ela é preta.
Kiri Davis: Por que você acha que a outra boneca é a boa?
Criança 2: Porque ela é branca.
Kiri Davis: E você pode me dar a boneca que parece com você?
A Criança 2 encosta na boneca branca e logo após, empurra a boneca preta em direção a pesquisadora.
                                                                                                    
“É natural a rejeição de algo considerado ruim. A rejeição aos cabelos crespos das crianças e adultos negros é resultado a atribuição de ruim que lhe é imposto pelo estereótipo. Os cabelos crespos das crianças são identificados como “ruins” primeiro pelas mães, que aprendem a ver os cabelos lisos e ondulados representados como “bons” e depois pela própria criança, que na escola sofre com os coleguinhas que põem os mais variados apelidos nos seus capelos crespos”. (SILVA 2003, p. 37/39).
Segundo Santos (2001), num país em que a escola não cumpre o seu papel de elevar a autoestima nacional em decorrência de nossa origem cabe aos pais fazê-lo. As crianças brancas têm menos problemas, pois os modelos positivos (a maioria dos grandes vultos nacionais) também o são. Todavia, elas também perdem por não ficar sabendo que somos muito mais do que aquilo que se estuda nas escolas.
 “Uma pesquisa realizada junto ao corpo docente das escolas pública do Rio de Janeiro, identificou que frequentemente as crianças negras, na hora do recreio, são chamadas de macacos, pelos seus colegas de pele claras, nas brincadeiras e brigas cotidianas. Mesmo ocorre com os adultos, nos grupos sociais, em situação de confronto”. (SILVA, 2003, p.37/39).
Para um educador ser bem sucedido ao se propor a atenuar um conflito em sala de aula, resultado de uma ação de preconceito étnico, esse deverá ter o mínimo de noção de antropologia e da genética humana. Uma vez que estudos científicos  comprovam que os primeiros sinais da humanidade vieram do continente africano e se espalharam para as outras partes do mundo.
De acordo com Santos (2001), instigante pesquisa internacional revelou aquilo que todo espiritualista sempre soube: não existem raças na espécie humana. O homem, segundo esse estudo, é o único mamífero que não possui diferenças genéticas. As diferenças que persistem entre os mais variados grupos raciais colhidos (foram estudadas mais de 8 mil amostras genéticas colhidas ao acaso em todo o mundo) são insignificantes para afirmar que os humanos possam compartimentados em função daquilo que se convencionou chamar de raça. A pesquisa constatou que, quando existem diferenças genéticas importantes, cerca de 85% delas, ocorrem entre pessoas pertencentes ao mesmo segmento. Os primeiros habitantes da terra sofreram as transformações necessárias para a sua sobrevivência e suas características físicas foram adequando-se ao ambiente em que se encontravam. Se o educador não tiver as informações mínimas necessárias, sobre estudos da existência de raças, para intervir no momento de conflitos que envolvam preconceitos raciais, terá grandes possibilidades de insucesso na investida.    
“Para que se tenha uma ideia, as diferenças existentes entre brancos europeus e negros africanos atingem apenas 15%. Segundo o biólogo norte-americano que dirigiu a pesquisa – Alan Tempeton – esse é “Um índice muito abaixo do nível para diferenciar raças dentro de qualquer espécie de animal.” A partir desses dados, assim arremata o pesquisador: “Os humanos são a mais homogênea espécie que conhecemos. Pouco importa a cor da pele, a textura do cabelo ou as feições do rosto. Essas características pouco representam diante da estrutura molecular que é, praticamente, idêntica em todo ser humano”. (SANTOS, 2001: apud, Isto É, 18-11-1998).   
 
No artigo 146, do Código Penal Brasileiro, consta que: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, é crime de constrangimento ilegal”.
Segundo a LDB, a Educação Física é parte integrante do currículo escolar e não pode ser dissociada das demais disciplinas. Baseando-se nesta afirmativa, os episódios que caracterizam o bullying e, por conseguinte, o “Bullying Étnico”, também perpassam por ela. As instituições devem elaborar estratégias para coibir as práticas que caracterize bullying e criar ferramentas para neutralizar os seus efeitos. Além disso, trata-se de uma disciplina marcada pela exposição dos alunos em ambientes abertos, pela atividade física e pela prática esportiva. Atmosfera propícia para os agressores perceberem as inabilidades por parte de alguns colegas, na execução de certas atividades ou pelas características físicas, próprias da etnia a que pertence. Momento oportuno para “destilar o seu veneno”.  
A maioria dos indivíduos pertencentes a grupos étnicos, considerados menores, sofre a ação do bullying no ambiente escolar: Negros indígenas, orientais, ciganos etc. Porém, este estudo tem como foco apontar as mazelas recaídas sobre a Etnia Negra e se justifica no processo histórico dos povos trazidos do continente africano e de seus descendentes.
No “Bullying Étnico” as maldades são tão criminosas quanto no tradicional, com um agravante: ninguém se dá conta disso, tampouco classificam como bullying.
Baseado nos estudos realizados por este trabalho chega-se a conclusão que a escola não é uma produtora de preconceitos, porém, é por ali que eles passam e encontram solo fértil para a sua reprodução e, para evitar, a escola deve utilizar-se de todos os meios para coibir a manifestação das práticas que caracterizam o bullying e, caso aconteçam, deve acessar os diversos elementos disponíveis nas mais diversas manifestações culturais, para minimizar ou até erradicar os seus efeitos.
Este trabalho considerou que: O bullying é um dos fatores que podem ser determinantes para a evasão escolar e que esse fenômeno está em todos os níveis do ensino, desde o infantil ao universitário. No caso do “Bullying Étnico”, a questão histórica é uma “arma” fundamental para se trabalhar no ambiente escolar, com maior probabilidade de sucesso, na tentativa de minimizar os efeitos causados pela agressão.
Devemos reconhecer que tem havido mudanças significativas no Brasil, no que se refere à questão legal. A promulgação da Lei Federal 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história da África e da cultura afro-brasileira no ensino de base, nas escolas públicas e particulares, substituída pela Lei 11.645/08, que inclui o ensino da cultura Indígena, no mesmo nível, foi um dos avanços. Entretanto, o que pode ser percebido é a prevaricação da citada lei, pela maioria das instituições de ensino, seja por falta de preparo dos professores, por negligência ou a certeza da impunidade, por parte da direção.
Os artigos abaixo, compilados do Estatuto da Criança e do Adolescente, e do Código Penal Brasileiro, indicam que as atitudes levantadas por este trabalho, caracterizam crime. Porém, o bullying, por se tratar de uma terminologia recém-introduzida em nosso país, não se faz presente nas leis brasileiras.
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus diretos fundamentais”. Artigo 5º - Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, é crime de constrangimento ilegal”.
(Artigos 5º e 17 - Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e Artigo 146 do Código Penal).

O epílogo deste estudo aponta para a necessidade da criação de uma Lei Federal, que tipifique as ações que caracterizam o bullying e classifique essa terminologia como crime. Tal qual ocorreu em Portugal, de acordo com a matéria a seguir.
“Maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo ofensas sexuais, castigos corporais e privações da liberdade, que aconteçam nas escolas, serão puníveis com um a cinco anos de prisão. A proposta de lei que transforma a violência escolar em crime foi ontem aprovada em Conselho de Ministros. No comunicado do Conselho de Ministros lê-se que o "crime de violência escolar, a instituir, abrange o fenómeno correntemente designado como bullying cujos efeitos, além dos imediatamente produzidos na integridade pessoal das vítimas, se repercutem no funcionamento das escolas e na vida diária das famílias".

Bullying. Cinco anos de prisão para crimes de violência escolar. I - Jornal de Notícias de Portugal / Ionline - Maria Catarina Nunes, Publicado em 29 de Outubro de 2010.   

 
Referências Bibliográficas

Artigos
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Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem Étnico-Racial
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Maria Catarina Nunes – “Bullying Cinco anos de prisão para crimes de violência escolar”. I - Jornal de Notícias de Portugal / Ionline - Publicado em 29 de Outubro de 2010.   www.ionline.pt  (Acesso 14/11/2010).

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