Sebastião Salgado, presente!
O Brasil perde mais que um grande fotógrafo — perde um grande homem, um verdadeiro patrimônio humano cuja lente revelou além de imagens, verdades profundas sobre a condição humana. É com pesar e reverência que noticio o falecimento de Sebastião Salgado, o maior e mais premiado fotógrafo brasileiro, cuja obra ultrapassou as fronteiras da arte para se tornar um testemunho indispensável da nossa história contemporânea.Salgado não apenas fotografava. Ele via, sentia e testemunhava. Seu trabalho foi muito além da estética; era um mergulho ético e existencial na alma dos que raramente são vistos. Migrantes sem pátria, trabalhadores anônimos, vítimas silenciosas de guerras e catástrofes — todos eles encontraram, no olhar sensível de Salgado, um espelho de sua dignidade e um grito contra o esquecimento. Suas fotografias são, antes de tudo, atos de resistência. São pontes de empatia entre povos, continentes e realidades distantes. Ao contemplar uma imagem de Sebastião Salgado, não estamos apenas diante de uma cena congelada no tempo, mas diante de uma convocação moral: olhar, compreender e agir.
Projetos como Êxodos, Trabalhadores e Gênesis não apenas registraram o mundo — eles o interpretaram com a profundidade de quem acredita que a arte pode e deve transformar. Em Êxodos, Salgado percorreu mais de 40 países para mostrar o drama dos deslocamentos humanos, num dos maiores relatos visuais sobre migração e refúgio já realizados. Em Trabalhadores, ele homenageou os braços que movem o mundo, revelando a beleza e a dureza do labor humano. E em Gênesis, sua obra mais lírica, lançou um olhar de reverência sobre os ecossistemas ainda intactos, numa ode à Terra e à necessidade urgente de protegê-la.
Mas o legado de Sebastião Salgado não se restringe à fotografia. Ao lado de sua companheira de vida e de jornada, Lélia Wanick Salgado, fundou o Instituto Terra, que replantou milhões de árvores e recuperou vastas áreas da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Foi sua forma de devolver à natureza o que ela lhe havia concedido em luz, paisagem e inspiração. Um gesto que uniu arte, ciência e esperança, e que continuará frutificando muito além de sua presença física.
Sebastião Salgado era mais que um artista. Era um humanista, um observador do mundo comprometido com a vida em todas as suas formas. Seu olhar carregava uma ética rara: a de quem não se contenta em olhar de longe, mas se aproxima, convive, entende e compartilha. Sua fotografia não nos pede apenas contemplação, mas engajamento. Cada imagem sua carrega a marca da urgência e da compaixão.
O Brasil perde hoje uma de suas vozes mais potentes. A fotografia mundial perde um de seus maiores mestres. E nós, todos nós, perdemos um farol de humanidade. Mas sua luz não se apaga. As imagens que deixou continuarão a falar por ele, eternizando seu olhar e sua mensagem.
Aos familiares, especialmente à querida Lélia, nossos mais profundos sentimentos. Que a força do legado de Sebastião Salgado conforte e inspire. E que, em cada canto do mundo onde uma de suas imagens for vista, renasça a esperança de um planeta mais justo, mais sensível e mais solidário.
Sebastião Salgado, presente — hoje e sempre.
Biografia de Sebastião Salgado
Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, nascido em 8 de fevereiro de 1944 em Aimorés, Minas Gerais, foi um dos mais renomados fotógrafos documentais do mundo. Com uma carreira marcada pelo compromisso com os direitos humanos, a justiça social e a preservação ambiental, Salgado transformou a fotografia em uma poderosa ferramenta de denúncia, empatia e transformação.
Formação e Início de Carreira
Originalmente formado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo e posteriormente doutor em economia pela Universidade de Paris, Salgado iniciou sua vida profissional no campo das finanças internacionais. Foi durante uma viagem de trabalho à África, nos anos 1970, que começou a fotografar e descobriu sua verdadeira vocação.
A partir de então, abandonou a economia para dedicar-se integralmente à fotografia. Trabalhou com algumas das principais agências fotográficas do mundo, como Sygma, Gamma e Magnum Photos, antes de fundar, ao lado de sua esposa, a curadora e arquiteta Lélia Wanick Salgado, a agência Amazonas Images, especializada na divulgação de seu trabalho.
Obra Fotográfica
O trabalho de Salgado é conhecido por suas séries de longo prazo que exploram temas sociais, econômicos e ambientais de grande impacto. Entre seus projetos mais importantes estão:
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“Trabalhadores” (1993) – Uma ode aos trabalhadores manuais do mundo, retratando com força e dignidade os rostos e os corpos que sustentam economias invisíveis.
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“Êxodos” (2000) – Um projeto monumental que documenta os fluxos migratórios globais, os refugiados de guerra, os deslocados por desastres ambientais e os movimentos populacionais contemporâneos.
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“Gênesis” (2013) – Uma celebração das paisagens naturais, da fauna, da flora e das comunidades humanas ainda relativamente intocadas pela modernidade, propondo uma reflexão sobre a harmonia possível entre o homem e a natureza.
Cada um desses projetos foi acompanhado por exposições de grande alcance internacional e livros que se tornaram referência no campo da fotografia documental.
Compromisso Ambiental: Instituto Terra
Além de seu trabalho como fotógrafo, Salgado desenvolveu uma atuação notável na área ambiental. Em 1998, ao lado de Lélia, fundou o Instituto Terra, organização dedicada à restauração ecológica e ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce. O instituto já promoveu o plantio de milhões de árvores nativas, recuperando áreas degradadas da Mata Atlântica e transformando um território destruído em um modelo de renascimento ecológico.
Prêmios e Reconhecimento
Sebastião Salgado recebeu inúmeros prêmios internacionais, entre eles:
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Prêmio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades (1998)
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Medalha da UNESCO
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Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão (2019)
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Título de Doutor Honoris Causa por diversas universidades
Foi também nomeado embaixador da boa vontade da UNICEF e membro da Academia de Belas Artes do Instituto da França.
Estilo e Filosofia
O estilo de Salgado é marcado pelo uso do preto e branco, composição rigorosa, iluminação dramática e uma estética profundamente humanista. Mais do que fotografar, Salgado narrava histórias com imagens. Ele acreditava que o fotógrafo deve estar imerso na realidade que documenta, convivendo com seus protagonistas, respeitando suas trajetórias e compartilhando suas dores e esperanças.
Vida Pessoal
Sebastião foi casado com Lélia Wanick Salgado, sua grande parceira de vida e de trabalho, com quem teve dois filhos. Lélia foi responsável pelo desenho gráfico dos livros, curadoria das exposições e codiretora do Instituto Terra, sendo fundamental na construção e difusão do legado de Salgado.
Falecimento e Legado
Sebastião Salgado faleceu em 23/05/2025, deixando um legado que transcende a fotografia. Sua obra é um manifesto visual em defesa da dignidade humana e da vida em todas as suas formas. Suas imagens continuarão a educar, emocionar e inspirar gerações, convidando-nos a olhar o mundo com mais atenção, sensibilidade e compromisso.
Sebastião Salgado não foi apenas um fotógrafo. Foi um humanista, um ativista, um contador de histórias visuais — e um exemplo luminoso de como a arte pode ser instrumento de transformação social e ambiental.
Por: Eufrate Almeida - 23/05/2025