PÁGINAS


AÇÃO AFIRMATIVA NÃO É BICHO DE SETE CABEÇAS.

A ativista pelos direitos civis, a americana Angela Davis, na abertura da Mostra Internacional do Cinema Negro, Zózimo Bulbul, no Cine Odeon, no Rio de Janeiro, no último dia 23/10, fala sobre a importância das ações afirmativas na vida de grupos discriminados.

                                                                                         Carlos Junior


                                                                                                             Por: Eufrate Almeida.

De tudo que já foi discutido sobre cotas no ensino superior, dá para avaliar que a aversão em relação a essa política passa pela questão racial.
Utilizarei um fato simples, porém, pouco observado, para exemplificar a Política de Cotas no Brasil e seus entendimentos: em um transporte coletivo, seja ônibus, trem ou metro, observa-se uma porcentagem de assentos de cor diferente. Estes lugares estão reservados à pessoas com necessidades especiais, idosos, gestantes, mulheres com crianças de colo entre outros. Isso significa garantir um assento àqueles com tais especificidades, por meio de uma política de cotas. Outro exemplo está nos partidos políticos: as siglas partidárias são obrigadas a reservarem 30% das candidaturas às mulheres. Isso também é cota!
Um exemplo emblemático de cotas é a Lei 5.465/68, conhecida como a Lei do Boi, que se deu de 1968 a 1985, durante a ditadura militar, que estabelecia o percentual de 50% das vagas, em Instituições de Ensino Público Federal, para cursos superiores considerados rurais (como veterinária, agronomia e zootecnia), promovendo o acesso dos produtores rurais à universidade. Essa lei nunca foi questionada pela população, se era lícita, ética ou moral. Portanto, diante das evidências, só podemos acreditar que há uma aversão às cotas, quando essas passam pelo recorte étnico racial. 
Algumas pessoas defendiam e defendem que a inserção das cotas nas universidades provocaria uma queda na qualidade do ensino. Outros, que acentuaria o racismo entre os alunos – como se o racismo não estivesse institucionalizado em todos os setores da sociedade. Houve ainda quem pregou que os cotistas se sentiriam inferiorizados perante os outros e, pior, que muitos não acompanhariam o desempenho dos demais, defendendo uma pseudoigualdade de condição inexistente no Brasil.
Tais discursos são vistos como “uma saída pela porta dos fundos”, por falta de argumento ou embasamento no assunto. Esses, entre tantos outros argumentos, foram discutidos em universidades como: UERJ, UFBA, UNEB e UNB, até a aplicação da lei de cotas nessas instituições. Depois disso, todas as argumentações caíram por terra, pois aconteceu exatamente o contrário. Inclusive, muitos cotistas tiveram melhor desempenho que os não cotistas.
A implementação e manutenção da Lei Federal 10.639/03, em primeira instancia, seguida da 11.645/08, que obriga o ensino da história da África, da cultura afro-brasileira e indígena, no ensino de base – inclusive alterando a LDB – Lei de Diretrizes e Base – ajudará no acesso do jovem negro e indígena à universidade.
A política de cotas é uma medida emergencial e deve ser implantada, independentemente de qualquer argumentação vazia. A tão esperada melhoria do ensino não está associada ao ingresso de negros e indígenas ao ensino superior e só deverá acontecer, quando surgir uma revolução na educação desse país.
Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, “os ideais republicanos de democracia e de igualdade constituem hipocrisia sistêmica. Só quem pertence à “raça dominante" tem o direito e a arrogância de dizer que a identidade étnica é uma invenção. O máximo de consciência possível dessa democracia hipócrita é diluir a discriminação racial na discriminação social. Admite que os negros e indígenas são discriminados porque são pobres, para não ter que admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas”. 
Cotas para negros, indígenas e pobres se fazem necessárias. Talvez o que tenha que ser revisto é o modelo de sua aplicabilidade, respeitando a estrutura de cada instituição.
Não dá para discutir esta questão, sem conhecer a real história do negro no Brasil e sem levar em conta a dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população negra, que chega a ser amoral. Os quase quatrocentos anos de escravatura, com as mais diversas proibições, inclusive a do estudo, inferiram, significativamente, na vida da população negra, deixando um legado de total desequilíbrio social, econômico e cultural no povo brasileiro. Assim, defendo que esse pagamento deva materializar-se no campo das reparações, sendo uma das formas, a aplicação da lei de cotas. 
Vivemos num país diverso e para atender essa diversidade, todas as formas de promoção de acesso, seja na educação, trabalho ou outras áreas, devem ser estendidas aos grupos que tiveram cerceados, os seus direitos mais elementares. 
As cotas no ensino superior preveem a inclusão do jovem negro na universidade, o que não significa a solução para os problemas dessa população, porém, um começo para estreitar a lacuna educacional existente entre brancos, negros e indígenas grupos.