Cabo Verde escreve página inédita: arquipélago se classifica para a Copa do Mundo pela primeira vez.
Em 13 de outubro de 2025, Cabo Verde selou um feito monumental: venceu Essuatíni (antiga Suazilândia) por 3 a 0, em Praia, e garantiu, pela primeira vez na sua história, uma vaga direta para uma Copa do Mundo, a de 2026. Com 23 pontos (sete vitórias, dois empates, apenas uma derrota) na liderança do Grupo D das Eliminatórias africanas, os “Tubarões Azuis” consolidaram sua ascensão esportiva.
Território, Ilhas e Identidade
Cabo Verde é uma república insular de origem vulcânica situada no Atlântico, 455 km a oeste da costa da África Ocidental. O arquipélago compreende 10 ilhas (nove habitadas) e vários ilhéus, divididas em dois grupos:
• Barlavento: Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia (desabitada), São Nicolau, Sal, Boa Vista.
• Sotavento: Santiago, Maio, Fogo, Brava.
Praia, na ilha de Santiago, é a capital, e junto com Mindelo (São Vicente) as principais cidades do país.
Raízes Históricas e Papel no Tráfico Negreiro
Desde o século XV, Cabo Verde esteve inserido nas rotas atlânticas entre Europa, África e as Américas. Navegadores portugueses chegaram às ilhas por volta de 1460; o povoamento começou em Santiago por volta de 1462, com pessoas levadas e/ou expatriadas do golfo da Guiné.
Devido à sua posição estratégica, tornou-se um entreposto comercial importante, inclusive para o tráfico de escravizados. Era parada e ponto de reabastecimento, ponto de concentração e redistribuição de pessoas, produtos e culturas.
A mistura cultural resultante de povos africanos, europeus, populações escravizadas, colonos - formou o povo cabo-verdiano, com sua identidade mestiça, língua crioula compartilhada, costumes próprios, uma hospitalidade que muitos que visitam comentam.
Cultura, Música, Literatura
A cultura cabo-verdiana é rica, plural e expressa em música, literatura e tradições que reverberam muito além do arquipélago.
Gêneros musicais principais incluem:
• Morna: estilo melancólico, intimista, com letras sobre saudade, amor, exílio. Cesária Évora foi sua intérprete mais universal, conhecida como “a diva dos pés descalços”.
• Funaná, Coladeira, Batuque: ritmos pulsantes, que misturam influências africanas e portuguesas.
Entre os artistas e intérpretes mais destacados estão:
• Cesária Évora – símbolo internacional da música cabo-verdiana.
• Bana – outro nome importante na história musical do país.
• Sara Tavares, Lura, Mayra Andrade – cantoras contemporâneas e de projeção internacional.
• Gil Semedo – cujo estilo "pop dançante cabo-verdiano" (às vezes chamado “Caboswing”) tem alcance fora do país.
• Tito Paris – outro nome de peso na música cabo-verdiana.
Na literatura, alguns nomes igualmente fundamentais:
• Germano Almeida – nascido na ilha da Boa Vista (vencedor do Prêmio Camões em 2018), autor de obras como O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo, entre muitas outras.
• Arménio Vieira – poeta e ensaísta, também laureado com o Prêmio Camões.
Outros poetas e escritores como Jorge Barbosa, Baltazar Lopes, Eugénio Tavares, Ovídio Martins etc., cujas vozes ajudaram a formar a consciência cultural de Cabo Verde.
Significado da Classificação
Este feito esportivo - a primeira vez no Mundial - vai muito além de uma vitória em campo. É símbolo de afirmação: de reconhecimento interno e externo, de orgulho nacional, de esperança para gerações que veem no futebol não só o esporte, mas também voz, visibilidade, possibilidade de mudança.
Para muitos cabo-verdianos, para os que vivem no arquipélago e os da diáspora, essa classificação representa que os sonhos que vinham se alimentando há décadas têm agora uma manifestação visível. É celebrar que um pequeno país de cerca de 500-600 mil habitantes, com uma história de desafios climáticos, econômicos e estruturais, consegue chegar para competir entre os grandes do futebol mundial.
Cabo Verde se ergue nesse momento com toda sua história: das secas, do vento, do canto triste e esperançoso das mornas, dos vulcões — como o Pico do Fogo —, das ilhas tão distintas e tão unidas. Essa classificação inédita é uma homenagem ao seu passado, à sua cultura rica, à força de seu povo. É também uma promessa: que sua voz — no futebol, na música, na literatura — será ouvida, que sua camisa será vista nos maiores palcos do mundo, e que o mundo reconheça não só os jogadores, mas os artistas, os poetas, os cabo-verdianos.
Visitei Cabo Verde no final dos anos 1990 e, desde então, guardo com carinho as lembranças daquele pequeno e vibrante país. Encontrei um povo de alma generosa, sorriso aberto e uma hospitalidade que acolhe como um abraço. Senti uma identificação imediata — como se, ao caminhar por suas ruas e olhar nos olhos de seu povo, reencontrasse parte de mim. Talvez porque, naquele território, ainda pulsa viva a ponte histórica da minha ancestralidade.