PÁGINAS


A MARCHA DOS BRANCALEONES TROPICAIS


Crônica
Por: Eufrate Almeida.

Era uma vez, nos tempos medievais da imaginação, um cavaleiro fanfarão chamado Brancaleone da Norcia, armado de uma espada sega e de um pergaminho questionável, ele liderava um exército de desajustados em direção a um feudo que jamais governaria. A sátira virou clássico do cinema italiano, mas talvez Mario Monicelli não imaginasse que sua história ganharia uma versão tupiniquim, anos depois, no coração do Brasil.

Nosso Brancaleone atende pelo nome de Jair. Capitão reformado, mito autodeclarado, líder de um grupo que, à sua maneira atrapalhada, tentava conquistar à força o que as urnas lhes negaram. Com discurso inflamado e uma fé inabalável no absurdo, ele marchava — não com armadura, mas com uma claque vestida de verde-amarelo, gritando por “liberdade” enquanto pedia intervenção militar.

A cada passo dessa cruzada golpista, surgiam novos soldados do caos: generais aposentados, blogueiros furiosos, pastores sem rebanho e, claro, os filhos do mito — verdadeiros escudeiros do desatino. A cada live, a cada tweet cifrado, pareciam cavar um pouco mais o fosso jurídico em torno do pai. Como no filme, em que os ajudantes de Brancaleone mais atrapalhavam do que ajudavam, os herdeiros do clã contribuíram com falas tão desconexas quanto incriminatórias.

E como toda boa comédia de erros, não poderia faltar o aliado estrangeiro. Lá vinha Trump, o Brancaleone americano, tentando salvar a pele do amigo tropical. Em vez de ajudá-lo, suas aparições e declarações soaram como o sino do infortúnio — trazendo mais luz às semelhanças entre o Capitólio e a Praça dos Três Poderes.

E o pergaminho? No filme, era um papel inútil que prometia terras. Aqui, os documentos mágicos vinham em forma de teorias da conspiração, dossiês apócrifos e minutas de decretos que nunca se concretizariam. Mas para quem vive de delírios, todo papel rabiscado parece uma constituição.

Hoje, o “exército de Brancaleone” bolsonarista enfrenta outro tipo de cruzada: a dos inquéritos. A Polícia Federal não veste armadura, mas carrega mandados. A Justiça não cavalga, mas avança.

E lá seguem eles, em sua marcha desordenada rumo ao abismo — tropeçando nas próprias palavras, se embaraçando em conversas grampeadas, e sendo traídos pela soberba que acreditava ser imunidade.

No fim das contas, como no clássico italiano, não sobra glória. Sobra riso — um riso triste, de quem observa o grotesco travestido de heroísmo. Um Brasil que, por pouco, não virou feudo de lunáticos com vocação para piada pronta.

21/0725